A transição para a economia de baixo carbono exige que as decisões de investimento considerem os riscos e as oportunidades atrelados às mudanças climáticas. O engajamento responsável de investidores junto aos emissores de valores mobiliários é fundamental para o aperfeiçoamento de práticas ambientais, sociais e de governança (ASG, e, em inglês, environmental, social and governance, ou ESG).
Nos últimos anos, houve um alargamento do entendimento sobre os deveres fiduciários dos investidores institucionais, no sentido de exigir que a visão de longo prazo dos investimentos inclua as consequências das mudanças climáticas nos negócios relacionados com os ativos investidos. São vários os caminhos para o cumprimento do dever fiduciário dos gestores de recursos de terceiros, a depender da estratégia escolhida. A atuação dos investidores institucionais na agenda climática, em suas mais variadas formas, é o que se denomina stewardship climático.
Um primeiro passo é considerar os riscos climáticos nas avaliações de investimento e monitorar os ativos investidos a partir de informações públicas disponíveis. A atuação também pode envolver diálogos colaborativos com a gestão da companhia, para contribuir para a elaboração de metas e planos de redução de emissões de gases de efeito estufa. Os investidores podem, ainda, trazer pontos relevantes para discussão e deliberação dos acionistas em assembleia geral, participar das estruturas de governança corporativa das empresas e usar estratégias de litigância judicial ou extrajudicial para obter informações e promover ajustes de governança que contemplem as questões climáticas.
Em outros mercados relevantes, o engajamento de investidores institucionais em questões climáticas é crescente. No Brasil, pesquisa recente da Anbima revela que a agenda ESG ainda é bastante centrada em questões de governança corporativa. Esse resultado sugere que há amplo espaço para o engajamento de investidores na pauta climática no mercado brasileiro.
Para suprir o déficit de informação sobre esse tema no Brasil, LACLIMA e FGV Direito SP, com apoio da iniciativa Investidores Pelo Clima e do Instituto Clima e Sociedade, lançaram a publicação “Stewardship Climático no Brasil: Um Guia para Investidores”. A obra é a primeira iniciativa do tipo no país, e tem o objetivo de ajudar investidores e gestores de ativos a cumprirem seus deveres fiduciários na gestão de riscos e oportunidades climáticos.
O guia expõe e organiza os principais caminhos de stewardship que podem ser trilhados pelos investidores para uma atuação mais responsável e comprometida com uma visão de longo prazo, em especial considerando as consequências dos efeitos de mudanças climáticas nos ativos investidos. Para isso, a obra conecta questões climáticas com instrumentos societários e a regulação de mercado de capitais, apresentando estratégias de engajamento e escalonamento.
O guia ajuda a responder a questões fundamentais,tais como “o que importa para a avaliação de riscos e oportunidades climáticos?” e “o Brasil oferece os instrumentos necessários para atuação de forma colaborativa com as companhias investidas?”.
A publicação reúne informações para subsidiar a atuação efetiva dos acionistas de companhias abertas brasileiras com foco na agenda climática, considerando os instrumentos de stewardship disponíveis no sistema jurídico brasileiro. A obra identifica quais são os grandes temas relacionados às mudanças climáticas que podem afetar a performance dos ativos investidos, aborda iniciativas regulatórias recentes, expõe o crescimento da importância do stewardship climático em outros mercados, e aborda os instrumentos jurídicos que estão à disposição dos investidores para engajamento na agenda climática.
No Brasil, a atuação dos investidores institucionais como stewards no mercado de capitais ainda é tímida em comparação com os mercados europeu e estadunidense. Entretanto, esse cenário já mostra sinais de mudança: a crescente importância do stewardship climático é ilustrada pela recente ação judicial que pede que a BNDESPar promova ajustes de governança a fim de integrar considerações ESG e climáticas à sua carteira de investimentos no mercado de capitais.
A ação, inédita no mundo e tida como o mais importante litígio climático corporativo já iniciado no país, tem o objetivo de que a BNDESPar adote boas práticas de stewardship, engajando-se com suas investidas para, sob a ótica da promoção do desenvolvimento nacional sustentável, impulsionar a transição à economia de baixo carbono. A ação pede que esse engajamento seja feito sob a ótica da dupla materialidade, isto é, protegendo os investimentos da BNDESPar em carteira acionária, feitos com recursos públicos, da exposição aos riscos físicos e regulatórios decorrentes das mudanças climáticas, e, ao mesmo tempo, garantindo que as decisões de investimento da BNDESPar alinhem-se aos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris.
As mudanças climáticas são, potencialmente, o maior desafio do século XXI, e o mercado de capitais desempenha função essencial no seu enfrentamento. Os investidores institucionais estão especialmente bem posicionados a, por meio do stewardship climático, influenciar positivamente a incorporação da agenda climática aos negócios de suas investidas, reduzindo externalidades, minimizando sua exposição a riscos e maximizando o aproveitamento de oportunidades, preservando os interesses dos beneficiários e contribuindo para o bem-estar econômico e climático de longo prazo.
Alessandra Lehmen e Viviane Muller Prado
Fonte: Valor Econômico, 2022.
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